Estávamos no ano de 1961, era eu miúdo, tinha acabado de completar 6 anos e, por causa de uma Lei que nunca percebi, não podia entrar na Escola Oficial (como na altura se chamava) assim, os meus pais resolveram "mandar-me à escola" para uma escola paga (hoje Ensino Privado).
Estavam lá muitos meninos como eu, mas que não eram iguais a mim, não falavam com eu, sabiam dizer os "rs e os ls" , coisa que eu não era capaz (ainda hoje não sou) e talvez por isso, ao fim de pouco mais de uma semana, mandaram-me para uma carteira ao fundo da sala, e ai fiquei com estatuto especial, podia fazer o que me apetecesse, desde que não incomodasse e, assim lá estive até final do ano.
Por vezes sentia-me triste, ninguém me mandava fazer nada, ninguém me perguntava nada, estava entregue a mim próprio, ninguém dava pela minha existência... nem pela minha falta.
No ano seguinte, fui então para a Escola Oficial, para a 1ª classe, uma Professora nova, a Dª Helena (muito bonita), que não se importou que eu fosse diferente dos outros, tratava-me de forma igual, mandava-me fazer as coisas, elogiava-me ou criticava-me consoante eu fizesse bem ou mal, de vez em quando (poucas vezes é certo) lá vinha uma reguada mas eu sentia-me bem.... sentia-me igual aos demais!!
Assim segui até à 4ª Classe, e ao exame de admissão à Escola Industrial e ao Liceu.
Passados que estavam os exames, com aprovação em ambos, chegava a altura da primeira escolha, que em Moura era simples... Escola Industrial ou Colégio Particular (porque não existia Liceu).
Desde muito miúdo fui atraído pelas mecânicas e pela electricidade, por isso escolhi a Escola Industrial, no entanto, hoje recordo uma pergunta do meu avô à qual não dei importância na altura e hoje entendo perfeitamente, "tens medo de ir para o Colégio?"
Claro que respondi... NÃO, mas hoje até acho que sim, que tinha medo de me acontecer o mesmo que se tinha verificado no meu primeiro ano de escola.
Fui feliz na Escola Industrial, cresci como pessoa, como estudante, formei-me como técnico, segundo princípios de seriedade, de competência, aprendi a trabalhar em equipa respeitando os outros e as suas opiniões, na certeza que o sucesso se constroi com trabalho e em conjunto. Devo tudo isto, aos Bons Professores que felizmente me acompanharam, e a quem muito devo, pelo homem e o profissional que sou.
Ao longo da minha vida de professor, sempre tentei seguir estes princípios nas Escolas do Ensino Público por onde passei, daí que, ao ver as noticias de hoje acerca dos "rankings das escolas" me viessem as lágrimas aos olhos, misturadas com um sentimento de revolta que não consigo descrever.
Durante anos (muitos), como professor e profissional do Ensino Público fui obrigado, sim OBRIGADO, a implementar reformas sem nexo, a leccionar com metodologias didáctico/pedagógicas sem sentido, conteúdos programáticos idiotas em disciplinas e áreas disciplinares imbecis, em nome da obediência hierárquica estabelecida, sempre que alguma "cabeça iluminada" se lembrava de fazer uma reforma, à qual eu tinha de obedecer, sob pena de ser excomungado por via de um processo disciplinar.
Enquanto isto, o Ensino Particular (privado como agora se diz) manteve os seus padrões, os mesmo pelos quais eu estudei na Escola Publica, indiferente a reformas, a mudanças, a teorias, apenas se adaptando aos tempos modernos e às novas tecnologias.
Agora, chegam os "rankings" e constata-se a diferença de resultados... a qualidade do Ensino Privado é muito maior que a do Ensino Público e... os culpados disto?
Os culpados disto, por muito que me custe admitir somos todos nós!..
Os Professores, porque nunca souberam ou quiseram ser uma verdadeira classe onde a união e a solidariedade não fossem conceitos abstractos;
Os Pais, porque se têm deixado manipular pela máquina propragandistica da política, sem nunca perceberem que a exigência, a disciplina, o rigor, o esforço, são regras de ouro para o sucesso no ensino (tudo o que se continua a fazer no privado) e que o facilitismo leva ao... descalabro.
TODOS os ocupantes do ministério na Avenida 5 de Outubro, que ao longo de décadas sempre usaram demagogia barata, para satisfazer caprichos de pseudo pedagogos, pagos a peso de ouro, sem nunca terem feito nenhuma avaliação séria das (muitas) reformas do ensino a que assistimos ao longo dos anos, e que sempre contribuíram para a sua menorização.
Finalmente a comunicação social que assistiu a tudo isto, ao longo dos tempos, sem nunca ter sido capaz de dar voz às verdadeiras questões que afligiam o sistema de Ensino Publico, desmistificar as coisas, explicar as políticas, aclarar os objectivos menos visíveis, e sobretudo desmontar que, passo a passo, se ia caminhando para a morte do ensino público de qualidade onde eu estudei.
Hoje, com a passagem administrativa até ao 9º ano, que segundo tudo indica, vai ser aprovada, deu-se a estocada final no ensino público!!
O País fica mais pobre.... as contas bancárias das instituições de ensino particular agradecem!
Um abraço e até... ao PRÓXIMO RETALHO