quinta-feira, 23 de abril de 2009

Retalho 10 - 25 de Abril de 1974

Vai longe, aquela madrugada de Abril de 1974.
Era eu um jovem de 19 anos, estudava e trabalhava.
Como sempre fazia, naquela noite estudava ao som da rádio, ouvi a Grandola Vila Morena, na voz do saudoso Zeca Afonso, pouco passava da meia noite. Nada de anormal, para quem todas as noites ( apesar dos conselhos paternais em contrário) ouvia o programa "Limite", na Rádio Renascensa, até ás 2 horas da manha e já se habituara a ouvir música de intervenção àquela hora!!
O tempo foi passando, as folhas do caderno tambem e, quando já me preparava para ir dormir, eis que o coração acelerou, os olhos se abriram, o corpo saltou da cadeira ao ouvir (já então no Rádio Clube Português) a voz de Luis Filipe Costa dizer.... ""Aqui Posto de Comando das Forças Armadas"...!
Depois... bom,,, depois foi "beber" todas as palavras daquele comunicado num sentimento de emoção indescritível, num misto de contentamento e medo, de alegria e incerteza, de não saber o que fazer!
Pai... Pai... Pai.... rebentou a revolução.... a tropa está outra vez na rua... já ocuparam o Rádio Clube Português, que emitiu agora mesmo um comunicado a dizer..... que os medicos vão para os hospitais!
A emoção era tanta que, por mais que me quizesse recordar, não me lembrava mesmo do que dizia o comunicado, a não ser... "os médicos para os hospitais"!
Recordo a cara ensonada e de espanto do meu pai a levantar-se da cama para se aproximar do rádio do meu quarto com o intuíto de confirmar a veracidade da informação.
Acendeu um cigarro, olhou para mim e disse-me ... deves ter razão... marchas militares na rádio.... "hà coisa mesmo!!!!"
Não foi preciso esperar muito para ouvir de novo o comunicado!
Depois, foi o longo passar das horas à espera de novo comunicado, cigarro atrás de cigarro, até ao nascer do dia, quando chegaram as primeiras imagens de Lisboa via Tv (ainda a preto e branco) de todo um povo já na rua, em apoio inequívoco aqueles que tiveram a coragem de enfrentar um regime politico, colocando em risco as suas próprias vidas!!!
Depois... na tarde do dia 25 e da rendição do Quartel do Carmo, foi o "dar largas á alegria".
Ver um Povo na rua, de braço dado, de abraço em abraço, de saudação em saudação, a entoar Grandola Vila Morena em uníssono, sem distinção de classe social, de credo, de religião, de cor.... apenas de duas cores..... o vermelho dos cravos e o verde da... esperança!!!
Passaram 35 anos!!!
Hoje, sou um homem com 53 anos, que ao longo do tempo teve a honra e o previlégio de conhecer pessoalmente dois capitães de Abril e recordo com muita emoção aquelas dezenas de horas que mudaram a vida de um Povo, mas estou profundamente desiludido com o rumo que o país (letra pequena propositada) tomou e, apetece-me perguntar (lugar comum, eu sei)...
ONDE ESTAVAM, NAQUELA MADRUGADA, A MAIORIA DOS POLITICOS QUE HOJE NOS GOVERNA?
ONDE ESTÁ, A ESMAGADORA MAIORIA DOS MILITARES DE ABRIL... HOJE?
Quem souber que responda!!!!
Um abraço e até ao próximo.... Retalho!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Retalho 9 - Fui ao Cinema

Passados alguns meses após a ultima vez que aqui escrevi, cá estou de volta!
Por isto ou por aquilo, não tenho partilhado nada convosco mas, hoje não podia deixar de o fazer.... ontem fui ao cinema.

Até aqui, nada que mereça ser partilhado a não ser o facto do filme se chamar "Marley e eu.. o pior cão do Mundo", um bestseler que já havia visto inumeras vezes nos escaparates das livrarias, mas que nunca tinha lido.

Por isso resolvi ir ver o filme.

Uma estória como muitas outras para uns, uma mistura de sentimentos e emoções para outros, a recordação de momentos vividos com um cão.

É esse o meu caso!

O Ringo, era um pastor alemão filho da Xana, uma cadela da família, o mais debilitado dos dois sobreviventes de uma ninhada infeliz.

Era um cão adorável, meigo, ternurento, algo destruidor (não tanto como o Marley) e muito teimoso, teimosia que lhe viria a custar a vida, comia tudo o que encontrava na rua (ao contrario da mãe, que não tocava em nada) devorava tudo, apesar dos sopapos no focinho que sempre apanhava.

O Ringo foi lá para casa ainda cachorinho, era uma bolinha de pêlo adorável, roia os chinelos, deitava-se aos nossos pés com a cabeça apoiada neles, enquanto lia-mos ou via-mos tv, dormia aos pés da nossa cama, foi crescendo, crescendo e aos 6 meses já tinha um porte considerável .

Aqui, nasceu a minha filha, a Ana.

Confesso que durante algum tempo esta era uma dúvida que me atormentava... como iria reagir o Ringo ao aparecimento de um bebé lá em casa, alvo de todas as atenções que até ai eram só dele e o que iria acontecer no dia em que Ana viesse do Hospital?

Esse dia chegou e, tal como no filme, feitas as apresentações da "nova inquilina" da casa ele farejou tudo, alcofa, saco das fraldas, bebé e.... nada ficou como dantes.

As minhas dúvidas não tinham qualquer fundamento, o Ringo deixou de se deitar aos nossos pés, de dormir aos pé da nossa cama, para passar todos os momentos do dia e da noite aos pés da alcofa da Ana.

Passaram a ser companheiros inseparáveis, onde estava a alcofa da Ana.... estava ele, em casa, no carro, ou na casa das avós. De tal forma isto acontecia que, uma dada tarde, em casa da minha mãe, ela por distracção fechou a porta do quarto onde tinha colocado a alcofa da Ana para dormir a sesta e o Ringo vendo-se na impossibilidade de ir dormitar ao pe da alcofa, pura e simplesmente montou guarda à minha mãe e á minha avó, não as deixando levantar do sofá, até nós chegarmos. Só depois de se certificar que tudo estava bem com a Ana, se acalmou.

Era um glutão inveterado, para ele uma bolacha era para sorver, engolir sem mastigar, excepto se fosse oferecida pela Ana..... ai comiam os dois... dentadinha a dentadinha.

Morreu com uma perfuração intestinal (depois de uma noite de grande sofrimento) devido a alguma coisa que comeu na rua, graças à sua teimosia e longe da alcofa da Ana, na sala junto ao móvel .... imagem que ainda hoje, quase 30 anos passados, vejo na minha memória com uma nitidez impressionante.

No cinema é apenas um filme, um filme que eu já vivi e partilho convosco.

Um filme em que as emoções e os sentimentos se misturam, se entrelaçam e se confundem, onde se ri a "bandeiras desfraldadas" e se acaba com as lágrimas nos olhos.

Um filme que recomendo vivamente;

Para os que nunca viveram um amor destes, tentarem perceber o que é a relação com um cão;

Para aqueles que, tendo cães, como é o caso do meu filho Nuno e que nunca passaram por esta situação se prepararem, para um dia que, mais tarde ou mais cedo vai chegar;

Para aqueles que, como eu, já passaram por esta experiência dolorosa, recordarem os momentos alegres que viveram e ganharem forças para futuras situações, porque elas são e serão sempre dificeis de enfrentar.

Já passei por outra experiência destas, a Paty e nem quero pensar no que vai acontecer quando for a Xana (outra cadela que tem o nome da mãe do Ringo), o Hoocky ou o Berlinde!
Um abraço e até ao próximo.... RETALHO